Quem vive em Aracaju sabe que o transporte público é um dos pontos que torna o acesso à cidade mais dificultoso. Com uma frota velha, sistema precário e sem licitação, a Grande Aracaju parece ter como objetivo fazer do uso do transporte coletivo algo desaconselhado ao cidadão.
Um dos pontos centrais dessa discussão é o processo de licitação, uma lenda urbana da capital sergipana que nunca é incorporada, de fato, à realidade do nosso povo. Em 2005, Marcelo Déda, então prefeito da capital, tentou licitar o transporte público de Aracaju, sem as demais cidades que compõem a região metropolitana de Aracaju.
À época, Déda chegou a realizar audiência pública e abriu diálogo com o então governador João Alves para viabilizar a licitação em toda Grande Aracaju. Em 2004, Déda chegou a aprovar uma lei na Câmara de Vereadores de Aracaju (lei nº 3256) autorizando a realização de licitação para o transporte público.
A lei foi questionada em algumas ocasiões, em 2007 o procurador Sérgio Monte Alegre apontou “deficiências” e destacou a necessidade de correções. O texto serviu de base para um processo licitatório iniciado em 2012 e questionado pelo sindicato patronal que representa os interesses dos donos das empresas que atuam no transporte público de Aracaju. O Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Município de Aracaju (Setransp) apresentou denúncia ao TCE contra a licitação, conseguindo enterrar o processo.
Em julho de 2012, Déda questionou a presença dos donos das empresas de transporte público na coligação do então candidato João Alves e apontou o interesse de João na anulação do processo. João de fato ganhou a eleição e não realizou a licitação, assim como seu sucessor, Edvaldo Nogueira (PDT), não realizou nos dois mandatos que sucederam e chegam ao presente.
Saltando para novembro de 2022, o prefeito Edvaldo contratou a consultoria, no valor de R$1.900.000,00, da Associação Nacional do Transporte Público (ANTP) para, no prazo de 360 dias, realizar estudos para propor o modelo da licitação. De lá para cá, pouco se sabe sobre o andamento dos estudos.
A vereadora Ângela Melo (PT), à época, manifestou preocupação com o alto custo da consultoria, R$159 mil por mês, e a demora no processo, quase um ano só de estudos, fazendo com que uma licitação só aconteça em 2024, se acontecer. Ângela também questionou o grau de isenção da consultoria, visto os vínculos dela com sindicatos patronais dos transportes coletivos e de com fabricantes de veículos. Ela indagou se os interesses desses grupos iriam influenciar o resultado da consultoria.
Na última segunda-feira, 14 de agosto, o juiz da 12ª vara cível de Aracaju, Marcos de Oliveira Pinto, atendeu solicitação do Ministério Público Estadual para a realização do processo licitatório do transporte público de Aracaju. A decisão obriga a realização do “procedimento licitatório em relação a todas as linhas e itinerários já existentes e a serem criados, bem como contratar a empresa vencedora do certame de acordo com a legislação pertinente e edital do concurso, em virtude do que fixo o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para deflagração do respectivo processo licitatório e mais 180 (cento e oitenta) dias para sua efetiva conclusão”.
A decisão vem em resposta à provocação judicial proposta pelo vereador Ricardo Marques (Cidadania), que defende a licitação como uma forma de melhorar o transporte público na Grande Aracaju. Ricardo comemorou a decisão, apesar do prazo extenso, e entende que não afetaria a integração com as demais cidades da Grande Aracaju, uma vez que a decisão é explícita acerca da manutenção das linhas existentes.
Apesar do extenso prazo e do passado que não permite comemorações anteriores à completa execução do processo licitatório, a notícia de uma decisão judicial no sentido de realizar o processo licitatório para o calamitoso transporte público aracajuano é algo positivo e que, no mínimo, constrange o prefeito Edvaldo a executar a licitação que Déda tentou em 2005 realizar.