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Relatório denuncia tortura e violações de direitos em unidades de privação de liberdade de Sergipe


Foto: MNPTC

Em fevereiro de 2023 foi divulgado o Relatório de Inspeção das unidades do sistema prisional e socioeducativo de Sergipe. O documento faz parte das ações Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e revela uma dura realidade em Sergipe, onde pessoas privadas de liberdade sofrem tortura e maus-tratos, além de condições insalubres e degradantes. O relatório é resultado de uma inspeção realizada em unidades prisionais e duas socioeducativas do estado, entre os dias 15 e 20 de agosto de 2022.


De acordo com o relatório, as unidades visitadas apresentaram superlotação, falta de assistência médica e jurídica, violência física e psicológica, isolamento prolongado e ausência de atividades educativas e profissionalizantes. Além disso, o relatório conseguiu identificar o uso de métodos de revistas vexatórios com os visitantes às pessoas privadas de liberdade.


O MNPCT foi criado pela Lei nº 12.847/2013, e tem como função prevenir e combater a tortura no Brasil, a partir de inspeções regulares em unidades do sistema prisional brasileiro. O MNPCT integra o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), junto com o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e os mecanismos estaduais.


O relatório fez 102 recomendações para o combate à tortura e maus-tratos nas unidades de privação de liberdade de adolescentes e adultos em Sergipe. Dentre as recomendações estão:

  • Estabelecimento por parte do governo do estado de medidas para combater e prevenir a superlotação nas unidades prisionais do Estado de Sergipe;

  • Realização de concursos regulares para recomposição dos quadros dos policiais penais e agentes socioeducativos efetivos; oferta adequada de atendimento médico e psicológico;

  • Que realize em caráter de urgência concurso público para a contratação de profissionais da área da assistência social e psicologia habilitados para atender as demandas das mulheres privadas de liberdade na PREFEM;

  • Que sejam criados canais autônomos de encaminhamento de denúncias de tortura e outras violações de direitos por pessoas privadas de liberdade e seus familiares no âmbito dos sistemas socioeducativo e prisional de Sergipe, respeitando as diretrizes estabelecida na Resolução 414/2021 do CNJ;

  • Proibir o uso excessivo ou arbitrário da força;

  • Investigar e punir os casos de tortura e violência;

  • Que elabore e implemente políticas públicas voltadas à garantir o direito de acesso à educação dentro das unidades prisionais do estado, haja vista o baixíssimo quantitativo que atualmente acessam esse serviço nesses locais;

  • Garantir os direitos das mulheres presas.



Dados do Infopen referentes a junho/2021, apresentaram uma taxa de ocupação superior a 220%. No sistema socioeducativo, segundo dados do SINASE referentes a dezembro de 2020, a taxa de ocupação é superior a 165%. A superlotação afeta frontalmente as condições mínimas de dignidade humana e diminui a capacidade de as unidades ofertarem de maneira minimamente satisfatória uma política de ressocialização do indivíduo.


O relatório denuncia casos de agressões físicas, verbais e ameaças praticadas pelos agentes de segurança contra as pessoas privadas de liberdade, bem como casos de violência entre os próprios presos ou adolescentes. As unidades socioeducativas não apresentam condições de garantir de forma minimamente satisfatória a reeducação dos adolescentes.


“A USIP se situa ao lado da ACADEPOL - Academia da Polícia Civil de Sergipe, situação que infringe a determinação do SINASE que veda "a edificação de unidades socioeducacionais em espaços contíguos, anexos, ou de qualquer outra forma integrados a estabelecimentos penais". Ao longo da inspeção, a equipe do MNPCT se assustou com os sons de tiros recorrentes vindos da academia, que usa o espaço para treinamento de policiais. A cobertura da quadra da unidade é inclusive repleta de marcas de projéteis oriundos da Academia", afirma trecho do relatório.


Na unidade ainda foi identificada uma ala (8) que servia de isolamento dos adolescentes, prática vedada pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). A direção da unidade, que faz parte da Fundação Renascer, afirmou que alguns adolescentes ficaram em isolamento por três dias. As fotos presentes no relatório são chocantes e demonstram que a realidade se distancia da função educativa da privação de liberdade dos adolescentes. O relatório também identificou na unidade voltada às adolescentes o “quartinho da Barbie”, usado como punição.


Sobre o sistema feminino, o relatório cita casos de mulheres grávidas ou lactantes que não receberam atendimento pré-natal ou pós-parto adequado, que foram algemadas durante o parto ou que foram separadas dos seus filhos antes do prazo legal. O relatório também cita casos de mulheres que não tiveram acesso a medicamentos, como o caso de uma detenta que estava sem receber o tratamento.


Em Sergipe, o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura do Estado de Sergipe (CEPCT-SE) e o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura do Estado de Sergipe (MEPCT-SE) possuem a missão de atuarem continuamente no combate à tortura, avaliando as ações de prevenções e denunciados os casos de abusos identificados. Entretanto, como informa o presidente do CEPCT-SE e coordenador do Movimento Panafricanista de Sergipe, Kwame Kwanzaa, o mecanismo ainda não está em operação.



Kwame Kwanzaa, presidente do CEPCT-SE

“Trabalhávamos na elaboração do edital do mecanismo quando recebemos informações de que as Considerações Finais feitas pelo Comitê Antitortura das Nações Unidas, que sairiam no dia 12 de maio, poderiam modificar o trabalho que estávamos realizando, então, resolvemos aguardar o documento que agora já saiu e devemos retomar em nossa próxima reunião os trabalhos para instalação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura. Assim que terminarmos o edital acredito que o lançaremos com celeridade. Ao mesmo tempo, os espaços físicos onde o mecanismo poderá exercer suas funções temporariamente estão sendo organizados no prédio da Secretaria Estadual de Assistência Social e Cidadania”, afirma Kwame.


Questionado sobre como tem sido a recepção ao relatório em Sergipe, Kwame relata que há um grupo de trabalho dentro do Comitê Estadual com o intuito de definir a forma como atuarão no acompanhamento das 101 recomendações do documento. O Comitê dialogará com os órgãos incumbidos de implementar as recomendações do documento, “o relatório é bem detalhado, as cinco peritas que estiveram em Sergipe durante uma semana tiveram acesso amplo e irrestrito aos espaços inspecionados e temos um excelente relatório a respeito de parte significativa do sistema carcerário e socioeducativo sergipano”.


O Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura foi criado pela lei Estadual nº 8.135/2016, mas, seu funcionamento só foi efetivado em novembro de 2021, evidenciando uma resistência do poder público em relação aos trabalhos competentes a ele. Kwame identifica que ainda não estão com as melhores condições físicas de efetuarem suas atividades. Ainda há inconsistência em relação ao recebimento e ao encaminhamento de denúncias. “Há uma proposta nacional para o estabelecimento de protocolo de comunicação de acompanhamento das denúncias recebidas, então alguém que ligasse para o Disk 100 querendo fazer uma denúncia poderia por meio desse número chegar a nós do CEPCT” explica Kwame.


Acerca da receptividade que o documento tem recebido por parte do governo de Sergipe, Kwame afirma que “as representações do estado que estão no Comitê têm ajudado a encaminhar a tarefa de realizar as primeiras reuniões com as autoridades, bem como passaram a integrar o Grupo de Trabalho que dentro do CEPCT deve propor a forma como faremos o monitoramento das recomendações. Temos então boas iniciativas por parte de membros do governo no comitê e buscamos ampliar a disposição do governo por meio das conversas que já se iniciaram a partir da Secretaria de Estado da Justiça e Defesa do Consumidor, que recebe 40% das orientações do MNPCT”.


Apesar de ser função do Comitê acompanhar os casos de tortura no estado, o governo de Sergipe tem negado o acompanhamento in loco por entender que seria prerrogativa do Mecanismo - que ainda não foi implementado - e por, por isso, não caberia ao Comitê, entretanto, a lei não dá ao MEPCT/SE a exclusividade para essas ações. A possibilidade de que os comitês estaduais visitem os locais das denúncias é abordada na recomendação n°7 de 4 de junho de 2020 do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.


Sobre o acompanhamento in loco, Kwame informa que, em uma reunião com a secretária de Justiça e Defesa do Consumidor, Viviane Pessoa, houve uma conversa positiva no sentido de que a situação seja modificada. O presidente do CEPCT-SE relatou que a secretária afirmou que “nenhuma posição debatida era fixa”, demonstrando disposição para o diálogo.


O documento é robusto e está disponível no site do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. A existência do Mecanismo no Brasil é um passo importante para a solidificação das recomendações que as leis brasileiras e entendimentos internacionais estabelecem em relação ao combate à tortura, que é evidente em unidades de reclusão, mas, que podem ser identificadas em toda sociedade.


Vivenciamos o uso indiscriminado de meios de tortura durante a ditadura militar que tomou conta deste país, mas que existiam antes e continuaram a existir após o restabelecimento da democracia. Que Sergipe consiga se adequar e oferecer um ambiente propício à dignidade humana e à ressocialização de pessoas em privação de liberdade.

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