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Foto do escritorAndré Carvalho

Pelo modelo atual, quem pode fazer política?

Atualizado: 15 de fev. de 2023


O cientista político Manin - 2010 - diz que a fundação da democracia representativa não se preocupava com a divisão igualitária de poder entre a sociedade, mas na legitimação dele usando o discurso da “superioridade”.

Estudando o sistema francês e o inglês, Manin identificou uma forte diferença econômica entre o eleitor e o parlamento. Essa “superioridade” é usada no discurso como garantia de uma política não-corrupta. Como na história do Brasil, nesses países, com diferentes critérios, o direito ao voto era prerrogativa exclusiva dos homens.

Na nossa história, a distinção foi usada em diversos momentos restringindo os votos aos homens com posses, alfabetizados e excluindo negros, mulheres e principalmente indígenas.

A exclusão no processo eleitoral sempre foi acompanhada da exclusão desses grupos dos espaços de conhecimento e de poder político e econômico. O modelo machista e racista que é visto em atividade pelo país tem seus efeitos demonstrados na política, onde esses grupos estão muito distantes de ter uma paridade.

Há uma distinção no acesso de brancos e negros ao Estado. No caso das campanhas, os negros recebem menos verbas e obtém menos êxito do que os brancos.

Segundo os professores Luiz Augusto Campos e Carlos Machado - 2015 - negros conseguem maior sucesso em eleições regionais do que em âmbito federal. Nacionalmente, os professores constataram que há candidaturas de negros suficientemente para quebrar o argumento de que não alcançam postos de poder porque não se colocam para tal.

Ser preto e ser mulher representa obstáculos para que se alcance sucesso na vida pública. Quando essas duas características se cruzam, o desafio é ainda maior. Quando analisamos a representação de Sergipe em Brasília, o quadro fica ainda mais evidente.

Dos 11 representantes federais - três senadores e oito deputados -, apenas uma é mulher - branca - e apenas três se declaram pardos. Para a Câmara Federal, elas receberam cerca de 114 mil votos dos 999 mil votos válidos. Todas as mulheres juntas receberam praticamente a mesma votação do deputado federal mais votado - 103 mil votos.

No Congresso Nacional como um todo - Câmara e Senado -, 15% das cadeiras são ocupadas por mulheres, mas mulheres pretas e pardas são apenas 2,38%. Em um universo de 594 congressistas, 89 são mulheres, 14 são mulheres negras e apenas uma é mulher indígena.

Considerando apenas a desigualdade racial, segundo o Congresso em Foco, somente 137 - 23% - dos 594 parlamentares são autodeclarados negros.

Nas câmaras de vereadores essa diferença cai, onde 44,7% dos vereadores são autodeclarados negros, 16% são mulheres e 6,3% mulheres negras. Já no Executivo, o quadro muda significativamente. São 20% de negros, 12% são mulheres e 3,8% mulheres negras. Lembrando que os números de negros somam pretos e pardos.

Curiosamente Sergipe é um dos Estados com maior percentual de vereadores negros - 77,8% -, ao mesmo tempo o parlamento sergipano não consegue manter essa proporção para os cargos mais competitivos, como os de representação nacional.

Os professores citados acima confirmam essa dificuldade de não-brancos alcançarem espaços de representação mais competitivos, como o Congresso Nacional, e chamam a atenção para a diferença de capital econômico e simbólico - como curso superior - entre esses grupos. Uma marca da construção racista da sociedade brasileira.

Sergipe não difere da realidade de desigualdade econômica e racial nacional, que quase sempre se somam, e demonstra que o espaço político fica cada vez menos acessível conforme aumenta o grau de poder do cargo.

Além disso, para concorrer à representação estadual se faz necessário que o candidato percorra diversos municípios antes e durante a campanha, sendo um custo econômico muito maior que o de percorrer apenas o seu município. Sem apoio partidário, isso dificulta as chances de pessoas com pouco acesso a recursos econômicos.

Outro fator preponderante é o princípio da distinção que coloquei no início do texto. As elites usam seus capitais econômicos e simbólicos para criar uma ideia de superioridade que convença os demais de que é natural que esse grupo ocupe os espaços de poder mais competitivos e assim obtém o apoio do eleitor e até de atores políticos que são estruturalmente excluídos da disputa.

O problema está posto, mas o que se faz para superá-lo? A legislação eleitoral incentiva candidaturas competitivas de mulheres e negros, fazendo com que sua votação seja dobrada para o fim de distribuição de recursos aos partidos. Vale salientar que o voto não será dobrado para a eleição, apenas para distribuição de recursos.

Mas, assim como as cotas de recurso e candidaturas para as mulheres, a lei por si só não fará com que esses grupos alcancem maior êxito. Fora os inúmeros casos de candidaturas laranjas, o problema está na base.

Não há como termos candidaturas competitivas de mulheres e negros sergipanos se os partidos não atuam no sentido de formar lideranças para tal. É preciso investir em formação de base e estimular o crescimento de novos talentos.

Não são raros os casos de segmentos partidários - mulheres, negros, juventude, LGBTQIA+ e afins - esvaziados. Muitas vezes há uma estrutura fictícia que não se mobiliza constantemente, apenas em anos eleitorais e que não são entendidas como centrais para os partidos.

Como surgirão mulheres competitivas se não se constrói condições para tanto? Como teremos mais negros e negras na política se os partidos não criam segmentos para construção dessa militância? E o mais importante: para quem isso é um problema?

Para a democracia, de fato é um problema! É comum nos depararmos com pessoas que lutam por uma causa com afinco e paixão, mas muitas vezes se desmobilizam pelo cansaço de lutar só. É para isso que os partidos deveriam existir, para dar suporte e formação a quem quer fazer política.

O partido não é apenas um requisito para que alguém concorra eleitoralmente, mas também um espaço de encontro de pessoas com um eixo ideológico similar. A troca de apoio e vivências entre os membros do partido são fundamentais para a propagação de suas ideias.

Essa fuga dos partidos para apenas espaços de candidaturas é uma forma de enfraquecer a democracia. Se não exercem toda a participação e formação política que devem anteceder o pleito eleitoral, como oferecerão bons quadros?

Ouvi de alguns parlamentares que há dificuldade para se encontrar nomes femininos competitivos em Sergipe. Todos eles entendem isso como uma falha dos nossos partidos em Sergipe.

Para termos mulheres, negros e jovens participando da política, competindo eleitoralmente ou não, é necessário que os partidos deem condições para isso. É fundamental que nos partidos tenhamos pessoas diversas pensando os partidos, não apenas seus projetos individuais.

Essa construção de quadros relevantes dificilmente ocorre com sucesso no ano eleitoral. Os partidos devem investir já para que na próxima eleição tenhamos um cenário mais representativo.

Não investir em formação política e militância é tornar os partidos instituições vazias e que facilmente podem se perder. Nacionalmente, vemos esse esvaziamento acontecendo no MDB, DEM e PSDB que já foram os maiores do país mas nunca tiveram a participação popular como um foco e acabaram perdendo relevância.

A dificuldade de determinados grupos obterem êxito eleitoral é preciso ser reconhecida como uma crise de representação. Novos atores devem ganhar espaço nos partidos. Além dos detentores de mandato, a sociedade civil organizada deve ser compreendida e incentivada como um ator político.

É a partir da ampliação do sentido de democracia, com o foco na mobilização e participação popular, que se constrói terreno para surgimento de novos nomes fortes capazes de formar opinião e, até, competir fortemente aos espaços de representação formal.

A política necessita sofisticar sua ação e romper as barreiras que excluem mulheres, negros, jovens e pobres do protagonismo na construção política. O espaço político deve sempre ser composto por gente, em sua diversidade, é para isso que os partidos existem e recebem recursos do Estado.

O fim das coligações evidenciou a necessidade dos partidos constituírem diversos nomes para competir eleitoralmente e alcançarem o quociente eleitoral, com o risco de se tornarem inviáveis para candidaturas. Contribuir para o surgimento de novos e plurais quadros é contribuir com a sobrevivência dos partidos e com o aprimoramento da democracia.

Sendo a política uma atividade de construção contínua, que demanda muito esforço de quem decide participar e considerando o pouco suporte que os partidos costumam dar aos novos nomes, quem pode, de fato, fazer política?


*Originalmente publicado no portal JL política.

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