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Entrevista com Jackson Barreto - parte 1


Jackson Barreto durante campanha de reeleição para o governo de Sergipe.
Foto: Victor Ribeiro

Jackson Barreto de Lima, filho da professora Neuzice Barreto e do pequeno comerciante Etelvino de Lima, nasceu em 6 de maio de 1944 no município de Santa Rosa de Lima. Mudou-se para a capital sergipana ainda na infância, onde construiu sua história política. Estudou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense e na UFS, tendo participado do movimento estudantil e se aproximou da política partidária.


Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), iniciou sua carreira política eleitoral concorrendo ao cargo de vereador de Aracaju, pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Sua atuação em defesa da igualdade social e dos trabalhadores o fez alvo constante de perseguições por parte do regime ditatorial que dominava o país, tendo sido vítima de prisões e torturas psicológicas.


Sua atuação o tornou um importante nome da luta pela redemocratização brasileira em Sergipe. Foi eleito vereador de Aracaju em 1972, deputado estadual em 1974 e em 1978 se elegeu deputado federal. Sua popularidade e expressão eleitoral o conduziram à prefeitura de Aracaju em 1985, sendo o primeiro prefeito da capital eleito após o período da ditadura.


A atuação na prefeitura, dando ênfase às periferias, deu sustentação para a consolidação de Jackson Barreto como um dos políticos mais eleitoralmente exitosos da história de Sergipe. Foi vereador de Aracaju, prefeito da capital, deputado estadual, deputado federal e governador de Sergipe.


Devido à importância da contribuição de Jackson Barreto no combate à ditadura militar, na defesa da democracia e por seu histórico como aliado das causas populares, o sergipense e a coluna André Carvalho têm a honra de estrear sua primeira entrevista na com atores políticos com este imortal da política sergipana.


 

Parte 1

 

André Carvalho: Acredito que o despertar político, o que levou o cidadão a entrar na política, diz muito sobre o agente político. Com isso, o que te levou à política?


Jackson Barreto: Eu já tinha um conhecimento muito grande da política desde criança em casa, com as iniciativas de minha mãe. Já gostava da política. Fui um torcedor da campanha, ainda criança, do Marechal Lott, contra Jânio Quadros. Minha mãe me acordava cedo para escutar os programas da Rádio Mayrink Veiga, que transmitia os programas do Marechal Lott, que era um democrata nacionalista.


Participei com a minha família de forma muito contundente, da campanha eleitoral de Seixas Dória para governador do Estado em 1962. Sofremos com o golpe, com o afastamento de Seixas Dória e a vida na universidade e o movimento estudantil, tanto secundarista como na universidade, era um caldeirão propício à participação política, evidente que na oposição ao regime militar.


Isso para a política foi um salto, já havia esse preparo anterior, já havia essas manifestações de casa e de rua, as injustiças da ditadura militar, as prisões, as torturas, as perseguições, a quebra da democracia, acabar com as eleições diretas, acabar com os partidos tradicionais da época... Tudo isso levou a uma formação de uma consciência crítica naquele momento, com relação ao regime militar e ao lado de tantos companheiros outros, a militância política nos levou ao patamar de ingressar na política partidária no MDB, já que o MDB, naquele momento, era a única válvula que nós tínhamos e a única forma que a gente tinha de atuar politicamente contra a ditadura, já que o MDB foi, sem dúvida alguma, o grande catalisador de todas as correntes políticas contrárias ao regime militar.


AC: Voltando para sua mãe, ela tinha uma vivência política, ela atuava no campo político?


JB: Minha mãe, ela não e nunca chegou a se candidatar. Nunca teve uma atuação de linha de frente. Mas a minha casa, minha família respirava política, minha mãe, meu tio no interior do estado, meu irmão mais velho. E nós tínhamos amizades e um grupo político no estado. Eu participei, ainda garoto, da campanha de Conrado para prefeito de Aracaju, pequenininho, indo para os comícios de Conrado.


Você imagina aqui que eu nasci em 1944, Conrado foi candidato em 1958, eu tinha 14 anos e eu já ia. Conrado morava na Rua dos Estudantes e eu morava no bairro Cirurgia. Eu ia para casa de Conrado, subia na caminhonete dele de carona para ir para os comícios dele. Eu tinha 14 anos de idade. A campanha do Marechal Lott, o símbolo era uma espada contra a vassoura, eu fazia em casa, pegava o martelo, o serrote e fazia a espada do Marechal Lott. Comprava tinta dourada ou tinta prateada, pintava para ir nos comícios. Tudo isso tem um processo natural de crescimento, e chega o momento de ter uma participação mais efetiva.


Jackson Barreto ao lado de sua mãe, Neuzice Barreto.

AC: Então o senhor acredita que era seu destino ser político?


JB: Eu acho, eu acho.


AC: O senhor foi filiado ao Partido Comunista Brasileiro durante a ditadura militar. Como foi para o senhor vivenciar esse momento e como era a organização do partido em Sergipe?


JB: Uma organização toda clandestina, é evidente, porque o MDB conseguiu incorporar pensamentos da esquerda, de centro, de centro direita e todos que eram adversários do regime militar, buscavam no MDB como um partido capaz de representar o pensamento de todos aqueles que se opunham à ditadura militar. Eu lembro que era um Movimento que englobava diversas tendências políticas ideológicas. Cada uma tinha os seus objetivos, os seus projetos futuros, mas no momento, o MDB seria o desaguadouro normal de todos aqueles que se opunham à ditadura militar.


A militância nossa foi no tempo de estudante da universidade. Havia naquele momento um caldeirão político muito forte e diversas tendências políticas de esquerda disputavam a hegemonia do movimento estudantil. O grupo do partido, o PCB, o PCdoB, a Ação Popular, o pessoal do Jornal Última Hora, o MR8 e nós nos agrupamos no PCB porque era um partido que tinha um histórico mais organizado e era realmente a força maior da esquerda no campo da universidade sergipana naquele momento.


AC: Desse período histórico, a gente estuda muito o aspecto da ditadura sob o viés do Sudeste, como foi no Rio de Janeiro, em São Paulo. Gosta de saber um pouco como foi esse período militar de ditadura no interior sergipano e aqui em Sergipe, se houve muito movimento de resistência?


JB: Não, no interior do estado tinha pouca influência. Houve perseguições públicas em Propriá, com as lideranças ligadas ao governo, de Seixas Dória, os Maia lá, Cleto Maia, deputado. Itabaiana tinha alguns amigos, companheiros, que eram através de Antônio Oliveira, que era ligado ao Partido Comunista, um intelectual, um comerciante, uma pessoa altamente respeitada, qualificada. Mas não existia assim um movimento muito organizado. Existia mais no campo, mas não era com tanta formação política e ideológica. Era o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, fundado por Dom Távora, durante a sua passagem como arcebispo de Aracaju. Era um arcebispo muito voltado para os problemas sociais e ele tinha na Rádio Cultura o movimento de educação de base. E ele deu muita força para a organização do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Mas nós não tivemos em Sergipe um movimento, como aconteceu em Pernambuco com as Ligas Camponesas de Francisco Julião, muito aquém disso. Não tivemos esse movimento assim organizado no campo, não. Do meu conhecimento.


AC: Agora, partindo para a sua trajetória política, não demorou muito entre a sua primeira eleição como vereador de Aracaju até a sua eleição como deputado federal. Ao que o senhor atribui esse sucesso?


JB: Eu fui eleito vereador em Aracaju em 1972. Em 1970 eu fui coordenador da campanha do vereador que o Partido Comunista apoiou, que foi Jonas Amaral. Foi um mandato tampão de dois anos e eu fui candidato em 1972. O partido conseguiu ter força para eleger os dois, apoiou os dois, Jonas e Jackson. Eu fui um vereador bem votado em Aracaju em 1972 e aí em 1974 teve eleições para a Assembleia. A a minha atuação política, a minha ação de presença, tanto na capital, como no interior, na organização do MDB, ajudando a consolidar o partido e sendo, na verdade, um porta voz daquelas forças que estavam sufocadas. E a minha origem muito popular e a minha forma de atuação contrária à ditadura. Isso me identificou muito com os anseios da população. E eu cresci muito politicamente.


Vivi intensamente Aracaju, os bairros da periferia, na organização da população, associações comunitárias, participação em todos os movimentos sociais. Tudo o que acontecia, nós estávamos presentes como estudante universitário, com a bandeira estudantil, com o trabalho clandestino do Partido Comunista. Isso me destacou muito. Eu fui eleito deputado estadual, fui o mais votado da capital em 1974. Depois, veio a Operação Cajueiro, em 1976, e as prisões, as perseguições. Eu fui levado quando eu era vereador para o quartel do 28. Até o nome que a gente botava de lideranças políticas, de um pensamento de esquerda. Tudo isso fazia com que o Exército perseguisse.


Eu me lembro do episódio que nós fomos perseguidos porque demos o nome da avenida Mário Jorge, que está hoje aqui consolidado na coroa do Meio. E como deputado estadual, eu fui levado para o quartel do 28 da Operação Cajueiro. Houve muita pressão psicológica, muita tortura psicológica. No depoimento, ameaças dentro do quartel do 28, acareação com os companheiros que estavam sendo torturados. A ditadura precisa ser cobrada em Sergipe por todas as torturas que fez, por todas as ameaças de morte e pela trágica cegueira de Milton Coelho. Mas também tem um fato que nós precisávamos levantar, que eu culpo diretamente o regime militar pela morte do Operário Ferroviário Pedro Hilário, porque Pedro sofria do coração, tinha problemas de pressão e ficou preso com os companheiros todos sendo torturados.


A pressão em cima de Pedro Hilário lá no quartel do Exército, do 28 BC, sabiam que a situação de Pedro era muito delicada, a saúde dele. Mesmo assim, continuou com a pressão em cima de Pedro, quando eles soltaram Pedro Hilário, pouco tempo depois Pedro morreu. Então eu acredito que tenha sido consequência da prisão, das torturas, das ameaças e de tudo o que aconteceu no quartel do 28 BC. Essa morte de Pedro Hilário, que nunca foi discutida, que eu acho que precisava ser mais discutida, mais questionada diante do tratamento que ele teve no 28. E já sabiam que ele tinha problemas de coração.


E então esse sucesso eleitoral foi toda essa participação efetiva num trabalho feito na periferia de Aracaju. Sendo porta voz desses movimentos sociais, das reivindicações do povo, de levantar as questões de ordem de interesse da população mais pobre de Aracaju, que vivia muito abandonada, não tinha um porta voz. E nós estávamos e nós participamos de todos os movimentos sociais aqui de Sergipe e de Aracaju.


AC: Então, o sucesso eleitoral do senhor era apesar de uma grande movimentação do regime militar para coibir a sua prática e a sua movimentação política.


JB: Sim, claro. Nas invasões, nas lutas sociais, nos questionamentos. Porque na época da ditadura militar, tanto o poder público estadual, como municipal, não davam satisfação à população, sobretudo à população mais pobre, das suas reivindicações e dos seus pleitos. E nós éramos porta-vozes.


AC: Em 1988, após ter sido prefeito da capital, o senhor obteve impressionantes 23.988 votos para vereador de Aracaju, uma votação extremamente elevada ainda em 2023. Qual conselho o senhor daria para que os futuros candidatos tentem alcançar êxito similar - se é que isso é possível?


JB: Essa votação foi uma resposta do povo. Eu até caracterizei, na época, a minha campanha com "a resposta de Aracaju". Foi uma resposta do povo ao processo que me retirou da prefeitura no final do meu mandato de prefeito. Alegava, como sempre, naquele momento, as figuras que se destacavam no campo popular eram perseguidas e faziam acusações de malversação de dinheiro público. Nada disso foi provado. A história provou, eu fui absolvido em todos os processos que criaram contra mim. Tudo isso numa manobra para cortar o meu crescimento político, porque eu via no processo de ascensão política muito grande e a burguesia local, as elites políticas do estado, tinham muito medo de eu chegar ao governo do Estado.


Então procuravam, desde o início , criar situações para me inviabilizar politicamente. Então, o afastamento meu no último ano, no final do meu mandato, eles não contavam com a manobra que eu fiz, que antes de eles me afastarem eu renunciei. Fui, então, candidato a vereador para dar uma resposta política. E a população correspondeu porque eu vinha de uma administração altamente positiva do ponto de vista dos interesses populares, dos interesses das camadas mais pobres e de uma administração voltada para a questão social. Uma administração muito exitosa. E a população via que nada daquelas acusações eram verdadeiras, a população compreendeu. Eles entraram com processo de afastamento, eu renunciei, fui candidato a vereador e o povo correspondeu, deu uma resposta.


Foto de Jackson Barreto na galeria de ex-prefeitos de Aracaju.

Naquele momento, nós elegemos oito vereadores com a minha votação. Eu puxei mais sete. Foram oito vereadores eleitos com a minha votação. E foi tão exitosa a resposta do povo que elege também um sucessor para prefeito, o meu candidato. Com toda a pressão do governo do estado montado pela ditadura, o meu candidato ganhou. Eu fui eleito vereador com essa votação e na eleição seguinte, ainda não tinha reeleição, eu voltei a ser candidato e fui novamente eleito prefeito com 68%. Quer dizer, era uma acusação de corrupção que não houve e a história provou que não houve. Então eu fui eleito com 71% dos votos, votaram o meu afastamento, eu renunciei antes, tive uma votação consagradora para vereador e elegi meu sucessor. Em seguida, em 1992, fui candidato a prefeito e fui eleito novamente com 66%.




AC: Qual conselho você daria para os políticos que estão aí, e que estão se candidatando para tentarem conseguir obter o sucesso eleitoral que o senhor obteve?


JB: Fidelidade ao povo, colocar na prática os compromissos sociais, fazer uma administração voltada para as questões básicas da população, principalmente da população pobre. Como a gente vivia uma ditadura, e o prefeito de Aracaju era nomeado, era biônico, ele não prestava nenhuma satisfação à população. A capital vinha de administrações terríveis do ponto de vista do interesse popular, e a Câmara de Vereadores era um fantoche. Então, a bravura da gente de enfrentar a ditadura, enfrentar prefeitos biônicos, ter coragem de denunciar, ir para a rua.


Corresponder aos movimentos de interesse da população mais pobre de Aracaju, culminou com toda essa popularidade porque o povo ouvia na nossa voz, nas nossas ações, nos nossos gestos, o compromisso com a população carente. Foi isso que me deu força a vida inteira em Aracaju, na periferia. As obras que nós realizamos foram obras que mexeram muito com o consciente coletivo, na construção de escolas, centros de saúde, creches, levar drenagem, levar pavimentação, levar obras em áreas nunca antes vistas pelo poder público. Aquilo que defendemos hoje com Lula, colocar o pobre no orçamento do município.


AC: O senhor consegue indicar um político hoje em Sergipe que tenha todas essas características que o senhor apontou?


JB: Zero


AC: Os aliados e opositores sempre associam o senhor às periferias aracajuanas, como uma grande marca de Jackson Barreto. Por que?


JB: Nós fizemos uma revolução na construção de escolas. Para que você tenha uma ideia, quando eu assumi a Prefeitura de Aracaju, mandamos fazer uma pesquisa, meu secretário foi Jorge Carvalho, fizemos uma pesquisa para ter uma ideia do quanto tinha de crianças fora da escola por falta de escola. E era um compromisso de lei constitucional a atenção à escola. Nós tínhamos uma faixa de 14.000 crianças naquela época, na faixa etária dos 7 aos 14 anos, fora da escola por falta de escola. Fora da escola, por falta de escola! Bairros inteiros da periferia que não tinha uma escola e as crianças não tinham de estudar. E nós construímos, durante nosso mandato de prefeito, 23 escolas na periferia de Aracaju, uma revolução na educação. O que tinha de mais moderno nós trouxemos para a educação e fizemos uma revolução de colocar as crianças na escola e com merenda de qualidade. E fizemos concurso para professor que por mais de dez anos da ditadura, quase quinze anos, não tinha um concurso da prefeitura para professor. E nós fizemos concurso e nós construímos escolas e nós levamos merenda escolar de qualidade e fizemos uma revolução na educação.


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