No último 17 de março, o evento em alusão ao aniversário de Aracaju contou com a participação de artistas renomados do cenário musical brasileiro, Ludmila e Belo foram as principais atrações. Os cachês recebidos por eles passaram da casa dos 500 mil reais, quantias pagas pelos cofres públicos da capital. Dinheiro que poderia muito bem pagar os cachês de diversos artistas da nossa terra, assunto que poderia ser a pauta deste texto, mas por ora, gostaria de chamar a atenção para uma outra questão, o uso do dinheiro público utilizado para promover projetos particulares, neste caso, para impulsionar a figura do prefeito Edvaldo Nogueira (PDT).
O show, que deveria ter sido exclusivamente para proporcionar o entretenimento do público (que até então, foi para se divertir e festejar o aniversário da capital), teve o seu palco durante a apresentação do cantor Belo, transformado em palanque político do Prefeito Edvaldo Nogueira. O cantor, que, possivelmente, desconhece a realidade política e social da nossa capital, proferiu calorosos elogios ao prefeito, destacando sua atuação e as medidas vinculadas às políticas públicas executadas por Edvaldo. O momento vexaminoso contou ainda com o dueto realizado pelo prefeito de Aracaju e o cantor. É importante ter em mente que estamos em ano de eleições municipais, e Edvaldo Nogueira não tem outro objetivo e interesse, senão o de lançar o seu próprio candidato para substituí-lo à frente da prefeitura de Aracaju. O que justifica a eficiente busca por engajamento, servindo-se dos cofres públicos para esta finalidade.
Tal conduta, em que o dinheiro público é utilizado contraditoriamente para beneficiar e promover objetivos pessoais, é conforme teóricos do assunto, caracterizada como prática patrimonialista ou de patrimonialismo. Isso significa que ações como a observada no palco da festa de aniversário de Aracaju, pelo prefeito Edvaldo Nogueira, configura-se numa prática em que o aparelho público é empregado no sentido de favorecer interesses particulares e pessoais, o que contrária a lógica do uso coletivo do bem-público. Esse tipo de prática tipifica-se pela cooptação dos fundos públicos para o favorecimento de alguns, em prejuízo do restante dos cidadãos. Dentre as práticas que se realizam à sombra do patrimonialismo, as mais triviais são: favorecimento de empresas privadas por meio da distribuição de emendas parlamentares, superfaturamentos, nepotismo, despesas indiscriminadas, uso privado dos espaços e equipamentos públicos, falta de transparência, corrupção. São abusos do poder das mais diversas ordens e níveis que custam aos cofres públicos, tendo como consequência o desencadeamento de diversos transtornos à população.
No Brasil, e por conseguinte em Sergipe, as práticas patrimonialistas estão culturalmente enraizadas e impregnadas na política, sendo estimuladas por articulações clientelistas e estruturas de dominação engendradas por famílias tradicionais oligárquicas. Noutras palavras, tais práticas tornaram-se historicamente peça substancial à política partidária de parcerias, dos acordos e alinhamentos vantajosos, dominada pelos que Raymundo Faoro cognominou de, “Os Donos do Poder”. Ou seja, os grandes empresários latifundiários, estes norteados pelos seus projetos e interesses individuais, ávidos por garantir e multiplicar seus lucros em detrimento do povo. Fato que justifica a diminuta participação dos despossuídos (aquelas e aqueles que são minorias em direitos e destituídos de recursos econômico-financeiros, todas e todos que integram a massa trabalhadora) no jogo político dominado hegemonicamente por homens brancos ricos, membros de famílias tracionais. Em Sergipe, os Franco são os maiores exemplos dessa estirpe.
Destarte, ainda que não seja algo exclusivo da nossa jovem democracia brasileira, compreende-se que o patrimonialismo é um fenômeno que atravessa o modelo de política que se instituiu no Brasil, resultado do nosso controverso processo dialético de formação: social, política, econômica e cultural. É o que se define em, política à brasileira. Os resultados das práticas patrimonialistas são refletidas na negligência da gestão do dinheiro público; vista no descaso e ineficiência dos serviços essências públicos prestados à população (saúde, educação e transporte, sobretudo). Por esta razão, o país enfrenta inúmeros empecilhos que inviabilizam a melhoria das condições sociais e econômicas da maioria das pessoas, classe trabalhadora, que por sua vez, contraditoriamente, paga inúmeros impostos incompatíveis com a sua renda.
À população, cabe atentar-se a este problema, não deixando que estas práticas passem desapercebidas, é um esforço necessário a fim de combatê-las. Ainda que seja algo trivializado, em face dos infortúnios que trazem à sociedade e às estruturas do aparato público, as práticas patrimonialistas precisam ser identificadas, repercutidas, cobradas e investigadas. Portanto, a ação perpetrada pelo prefeito Edvaldo Nogueira, na festa de aniversário de Aracaju, por mais que aparente algo comum, inócuo, tem consequências serias. Haja vista, ao fazer uso do espaço, dinheiro e estrutura pública para se promover politicamente, com o intuito de realizar projetos individuais, está desviando dinheiro público para finalidades contrastantes.