top of page
  • Instagram
  • Twitter
  • Foto do escritorAndré Carvalho

Autocensura: quando o medo cala


Foto: master1305.

A autocensura consiste na reavaliação do que será exposto devido às possíveis consequências de fazê-lo. No campo político, a autocensura é um dos fatores a diminuir a sensação de plenitude democrática. Quando um movimento social, um cidadão ou a imprensa se cala com receio de sofrer qualquer tipo de violência ou assédio, isso é um péssimo sinal para a democracia.


Durante a ascensão política do bolsonarismo em 2018, vimos muitos cidadãos com receio de explicitar posicionamentos políticos divergentes do que essa extrema-direita pregava. O medo não vinha de uma invenção, mas do ódio expresso nos discursos do grupo, principalmente do seu líder, Jair Bolsonaro (PL).


Quando Bolsonaro disse “Vamo fuzilar a petralhada” num discurso de sua campanha no estado do Acre, num contexto em que o discurso bolsonarista é repleto de incentivo ao confronto político e de defesa do porte de armas, provoca um cálculo de risco no cidadão que divirja daquele pensamento. Uma autocensura.


O clima de temor em relação à exposição de ideais políticos não era uma invencionice, visto que Moa do Katendê foi assassinado por ser eleitor do PT em 8 de outubro de 2018 e em 9 de julho de 2022 Marcelo Arruda foi assassinado por comemorar seu aniversário com a temática petista. Se posicionar politicamente levou à análise de riscos ao pegar um carro de aplicativo, ir numa padaria ou passear com um cachorro com símbolos políticos que associavam o cidadão ao PT.


A autocensura foi vista e sentida por muitos anos nesse país, os casos anteriormente citados decorrem de um clima de violência, mas também vimos perseguições com uso de uma visão deturpada do que diz a legislação brasileira. No dia 31 de maio de 2021 a PM de Goiás prendeu Arquidones Bittes, professor e filiado ao PT, por usar uma faixa dizendo “fora Bolsonaro genocida” em seu carro. O policial justificou a ação com base numa leitura errônea da Lei de Segurança Nacional.


Casos de perseguições a professores em sala de aula com o discurso de “doutrinação” não foram incomuns, gerando insegurança e autocensura nos professores brasileiros. O bolsonarismo colocou professores como um alvo. No ano passado, a antropóloga Maria Elisa Máximo foi demitida da faculdade na qual lecionava por se posicionar contra Bolsonaro em seu Twitter, fora do ambiente de trabalho.


Antes mesmo do bolsonarismo não é incomum vermos autocensura na imprensa devido às possíveis pressões dos patrocinadores dos veículos jornalísticos. O trabalhador é levado a se autocensurar, num clima velado de insegurança em relação ao emprego. Por exemplo, um jornalista que trabalha num veículo cujo o principal financiamento da atividade são verbas do governo estadual evitará, mesmo que não seja formalmente comunicado nesse sentido, de criticar o governo e seus aliados.


O processo de induzir a autocensura é uma violência contra a democracia, mesmo que em alguns casos use de meios que não são ilegais. A capacidade de induzir alguém a se autocensurar está diretamente ligada à capacidade da pessoa ou da instituição de reagir às pressões. Uma rede televisiva de porte nacional é muito mais capaz de enfrentar isso do que uma televisão regional.


Outro exemplo que acaba estimulando a autocensura é o uso do assédio judicial. E ocorre quando alguém usa de mecanismo lido como legítimo para um fim diferente do que aquela lei busca garantir. A capacidade econômica de um jornal de circulação nacional de reagir e lidar com o assédio judicial é muito superior à capacidade de um blog regional. O custo de contratar um advogado para sua defesa pode, em muitos casos, inviabilizar a atividade daquela imprensa local.


Seja advindo de qualquer forma, o clima de indução à autocensura não condiz com o ambiente de democracia saudável que o Brasil deve buscar para si. Quando um grupo ou um agente político usa de qualquer mecanismo que vá no sentido de cercear a livre opinião, desde que ela não induza a violência ou fira os direitos humanos, há um prejuízo para toda sociedade.


Não é admissível que o Brasil retroceda ao ponto de que usem de risco de violência, de capacidade financeira e de força política para induzir quem pode ser criticado ou o que pode ser dito. A autocensura estimulada é um tipo de sentimento que vigorou por décadas no Brasil e que ainda é vista em países estranhos à democracia, qualquer resquício dessa perversão deve ser combatida por todos aqueles que se dizem defensores da democracia.


0 comentário
bottom of page